Em um mundo em que a concorrência é cada vez mais acirrada entre as empresas, com suas tecnologias sendo incrementadas exponencialmente e com os estudos sobre mercados apresentado-se mais detalhados e precisos, as ideias projetadas e os conhecimentos tomaram uma posição superior na hierarquia de proteção industrial. Por consequência, quem as obtêm virou peça preciosa na estratégia do negócio.
O gerente ou diretor que conhece todo o processo de funcionamento do empreendimento, quem são os parceiros-chave e os rendimentos do negócio; ou o técnico de informática que com apenas alguns cliques tem a chave de inovação… Qualquer funcionário que ocupe um cargo de alto escalão e/ou possua conhecimentos estratégicos e confidenciais está sujeito a assinar um contrato que possua uma cláusula de não-competição.
Esta condição estabelecida tem por objetivo impedir que o colaborador, ao sair do respectivo emprego, passe a trabalhar para o concorrente e leve para esse informações que gerem um risco à antiga companhia Estipula-se, então, que aquela peça chave saia por um tempo do mercado em que atua , “envelhecendo” suas informações e consequentemente diminuindo os riscos à antiga empresa em que atuava.
Nesse contexto, a recorrente discussão no meio jurídico é: quais são os limites que devem ser impostos a tal cláusula para que mantenha-se válida? Esses pontos não estão definidos na lei, mas pela jurisprudência é possível averiguar o seguinte posicionamento sobre três parâmetros: temporalidade, espaço e materialidade.
A temporalidade não é exata, mas deve ser considerado um prazo razoável, por exemplo, impedir uma pessoa de não trabalhar por dez anos é claramente inviável; o espaço deve limitar-se à área geográfica de efetiva atuação do ex-empregador, não há porque impedir a atuação de um indivíduo em um local em que o antigo empregador não atue e, portando, não possua concorrência; por fim, a materialidade deve ser exclusiva ao ramo de atividade antes exercida, não sendo possível impedir a atuação em outras áreas profissionais.
Um exemplo do cenário que estamos apresentando é o de Jim Donald, ex-CEO da rede Starbucks: recebeu 1,25 milhão de dólares para manter-se afastado dos concorrentes pelos 18 meses seguinte à sua saída(1). É possível, todavia, encontrar diversos casos em que esse tipo de cláusula foi imposta por tempo indeterminável ou por um período muito longo, que inviabiliza o reencaixe do indivíduo no mercado de trabalho após o término de vigência da não competição. Também há exemplos de pessoas que se especializaram tanto que não possuíam habilidades para atuar em outro ramo durante a vigência da não concorrência, de modo que não puderam encontrar outro emprego e também não receberam indenização, ficando sem fonte de renda.
Não há uma legislação clara sobre os limites que devem ser impostos sobre a não competição, contudo, os tribunais têm compreendido que, colocando na balança as características de interesses privados dos contratos, proteção patrimonial do empregador e o direito constitucional de liberdade ao trabalho (art. 5º, XIII, CF), tal condição é nula caso não seja assegurada uma forma de sustento ao empregado durante o tempo de afastamento do mercado. Se não houver uma maneira dele sustentar-se, a cláusula pode ser considerada abusiva. Obrigações recíprocas devem ser impostas às partes em um contrato, inclusive, no dispositivo da não-concorrência, assim, para que o indivíduo deixe de trabalhar, é necessário que seu sustento seja garantido
É possível ver tal posicionamento no julgamento em que a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a multinacional Aleris Recycling Holding B.V. e sua filial brasileira a indenizarem um ex-diretor, em razão dos prejuízos profissionais ocasionados por uma cláusula de não concorrência que impedia sua contratação por dois anos. Foi estipulada uma indenização por danos morais durante sete meses, no valor da sua última remuneração, além de trinta mil reais por danos morais, com juros e correção monetária. (2)(3)
A 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho também seguiu tal posição ao analisar uma cláusula de não-competição estipulada pela indústria Rose Plastic Brasil Embalagens Ltda. a um gerente de vendas, que ficou impedido de trabalhar em sua cidade por dois anos, sem nenhuma retribuição financeira. Devido a essa proibição, o gerente precisou se mudar de cidade e aceitar um salário seis vezes menor. O Tribunal entendeu que a cláusula era leonina e violava o princípio da comutatividade – o qual estabelece que as duas partes contratantes devem ter plena consciência da situação em que se obrigam -condenando a empresa a uma indenização de 143 mil reais. (4)
Portanto, ao se estabelecer uma cláusula de não competição, é necessário ter atenção nas condições impostas, para que haja razoabilidade em seus termos, um limite territorial pertinente, bem como meios para que o indivíduo garanta seu sustento. Tais cuidados são essenciais para garantir a validade da cláusula, o bem estar do indivíduo a quem a condição de não concorrência se aplica e evitar que futuramente a empresa tenha maiores prejuízos econômicos caso a cláusula venha a ser questionada judicialmente.
Fontes:
(2)http://www.conjur.com.br/2016-mar-31/empresa-indenizara-ex-diretor-prejudicado-clausula-sigilo
(3)http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/multinacional-indenizara-ex-diretor-prejudicado-por-clausula-de-nao-concorrencia
(4)TST – AIRR – 1345-74.2010.5.15.0109, Relator: Ministro João Oreste Dalazen, Quarta Turma